"Cuando salí de Cuba"

alt“Cuando salí de Cuba”

João Soares da Fonseca
Pastor da PIB do Rio de Janeiro


Na década de 60, uma música fez muito sucesso no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Composta pelo argentino Luis Aguilé, intitulava-se Cuando salí de Cuba. A letra é comovente, porque retrata a tristeza dos milhares de cubanos que tiveram que fugir do país, quase todos às pressas, deixando muita coisa para trás, por divergirem dos rumos e da metodologia da chamada Revolução Cubana.
Pela graça de Deus, a mediação da Junta de Missões Mundiais e o apoio de minha Igreja, a Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, pude realizar uma visita de nove dias a Cuba. Éramos 16 pastores (a maioria, do Rio e da Bahia) e uma senhora, liderados pelo “comandante”, o missionário Antônio Galvão (foto). Veja no final os nomes de todos.
Preguei 4 vezes (três vezes em igrejas e uma vez num congresso de missionários) e interpretei uma vez um pastor (Davi Pina).
Cuando salí de Cuba, trouxe comigo algumas constatações:

1. O homem continua incuravelmente religioso
Apesar de todo o esforço do governo comunista por abafar a expressão religiosa, as pessoas continuam buscando a Deus. Voltávamos de Matanzas para Havana, quando nosso motorista, um médico, nos disse: “Vou fazer um desvio aqui, porque quero mostrar a vocês a experiência de Alamar”. Como parte da implantação da filosofia do socialismo, Alamar, na região metropolitana de Havana, foi construída pela Revolução para ser ‘a cidade do novo homem’. Para o governo revolucionário, ‘o novo homem’ [o homem socialista] precisa de escola, de hospital, de ginásio de esportes, de teatro... mas não de igreja. E construíram uma cidade, sem deixar espaço para templos. Ou seja, a Revolução esqueceu o que o salmista disse: “A minha alma está desejosa, e desfalece pelos átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne clamam pelo Deus vivo” (Sal. 84.2).
A revolução de Alamar começou em 1992, quando J. A., um torneiro mecânico, se mudou para lá. Crente fiel, começou uma igreja no quintal de sua casa. A igreja cresceu, e cresceu tanto, que ele deixou a mecânica para ser pastor. Hoje, há cinco igrejas batistas nessa cidade. Templo? Nenhum. Todas funcionando em casas.
Para se ter ideia da má vontade do governo para com as igrejas ainda hoje, basta mencionar que para entrar no País, o turista comum paga U$ 30 pelo visto (de turista). O visto de pregador custa U$ 120.
Cuando salí de Cuba, vi confirmada a palavra de Jesus segundo a qual “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar” (Mat. 24.35).

2. A alegria da fé independe das circunstâncias

O povo cubano é um povo alegre, sem ser barulhento. Nas igrejas, quando apresenta os visitantes, o dirigente diz: “Vamos saudá-los com alegria”. Nesse instante, toda a congregação levanta as mãos e fica agitando os dedos.
Já na chegada ao país, pode-se sentir as limitações do povo em termos de bens e serviços. A maioria dos automóveis é da década de 40, 50 e 60. Mesmo assim, foi emocionante cantar com o povo a letra de “Tu És Fiel, Senhor”, cujo estribilho diz: “Oh, tu fidelidad! Oh, tu fidelidad! / Cada momento la veo en mí. / Nada me falta pues todo provés / Grande, Señor, es tu fidelidad!”.
No Congresso de Missionários, realizado no Acampamento Yumurí, em Matanzas, fiquei comovido com a profundidade das orações. Quando acabei de pregar, o dirigente, pastor Pedro Muñoz, diretor da Junta de Missões da Convenção Ocidental, convidou o pastor Juan Martínez para dirigir um momento de oração. Preparei-me para ouvir gente exaltada orando, mas foi grata a surpresa que tive ao ouvir um povo clamando ao Senhor pela salvação de Cuba, de forma ordeira, disciplinada, porém, profunda. Numa das orações, o missionário dizia estar pronto a dar a própria vida, se fosse necessário, para que todos os cubanos conhecessem a Cristo.
Em testemunho da alegria dos crentes, basta dizer que as igrejas estão repletas. Sem templos muitas delas, sem instrumentos musicais a maioria, sem kombi... 
No primeiro dia, sendo uma terça-feira, o pastor que nos recebia preveniu: “Hoje devemos ter pouca gente; todos trabalham até tarde”. Preparei-me então para ver umas 10 ou 15 pessoas. Assim que chegamos, já vimos um número maior do que esse. Ao final, entre 60 e 80 pessoas estavam ali, reunidas no fundo do quintal de uma casa.
No Congresso, vários missionários vieram a mim expressar a sua gratidão pelo que os batistas brasileiros estão fazendo em Cuba, ao sustentar 158 deles. Vinham agradecer espontaneamente, e o faziam com toda a sinceridade e com muita alegria.
Cuando salí de Cuba, vi confirmada a palavra de Neemias, ao exortar o povo, dizendo: “...portanto não vos entristeçais; porque a alegria do SEenhor é a vossa força” (Ne. 8.10).

3. O Senhor está no controle de tudo, inclusive de Sua Obra
O pastor E. P. me contou que ele era um adolescente de catorze anos quando todos os pastores foram presos em 1965. As igrejas iriam fechar? Respondeu-me: “Não; foi aí que eu comecei a pregar, morrendo de medo de que a polícia viesse me levar também”. Ou seja, com a prisão dos pastores, os “leigos” assumiram a direção da Obra. E tantos se envolveram, que a Obra só fazia crescer, como cresce ainda hoje com a força desses irmãos. O que talvez a igreja conscientemente não conseguisse, que é desenvolver e capacitar liderança, a dura oposição conseguiu.
No último dia do congresso missionário, um dos 158 missionários se aproximou de mim e me disse: “Sou de Pinar del Rio. Deixe-me dizer ao irmão uma coisa: Deus é o Senhor de tudo. Em meados da década de 60, a Revolução Cubana via pastores e igrejas como inimigos. Quando o homem (e fez um sinal de barba longa), tomou o poder, ele mandou um trator à nossa região para pôr abaixo o templo da nossa igreja. Foi muito triste. Mas sabe de uma coisa? Passados todos esses anos, hoje há dez igrejas nessa mesma região; e cada uma tem o seu próprio pastor”. O missionário me disse isso e foi embora, sem ter a menor ideia do impacto que deixava em minha alma.
As igrejas têm liberdade para fazer cultos. Mas não deixa de ser uma liberdade vigiada. O pastor A. R. me disse que é preciso ter muito cuidado ao pregar sobre certos temas do Antigo Testamento. Por exemplo, quem prega sobre a libertação do cativeiro do Egito pode ser chamado à delegacia para prestar esclarecimentos. Como é que a polícia sabe? Há agentes secretos infiltrados na multidão.
Para mim, o exemplo mais emblemático da experiência cubana é a história de A. A. Criado e nutrido na mais rígida disciplina comunista, A. A. cresceu ouvindo que todo americano era mau, e que devia morrer. Aos 20 anos, aceitou um convite para ir a um congresso batista de jovens. Foi lá que ele viu um americano pela primeira vez na vida. Teve vontade de fazer tudo aquilo que ouvira a vida toda. Mas só ficou de longe observando o outro. Finalmente, foi até o americano e puxou conversa: “Do you speak English?” O americano se levantou da cadeira e lhe deu um forte abraço, dizendo: “Que maravilha, alguém falando a minha língua!”. Em resumo: A. A. converteu-se a Cristo, fez medicina, e hoje é pastor de uma igreja nos arredores de Havana.
Cuando salí de Cuba, vi confirmada a palavra de Paulo, que diz: “…ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo” (I Cor. 12.3).

4. É preciso manter acesa a chama da esperança
Cercada de crises, a ilha de Cuba enfrenta hoje aquela que parece ser a mais grave, do ponto de vista social. É a perda do futuro. Vários profissionais liberais, como médicos, dentistas e engenheiros, estão deixando a profissão para tocarem pequenos negócios, como fazer pizza no fundo de casa. Ernesto Sábato, escritor argentino, dizia que o pior que pode acontecer a um povo é a sua juventude não ter esperança. Perguntei ao jovem cubano Y. R., 26 anos, que curso universitário fizera. Ele respondeu que parou depois do Ensino Médio. “Não vale a pena passar cinco anos na faculdade, para depois ganhar uma miséria”. Argumentei que o modelo atual pode estar com os dias contados, e que haveria mudanças em, digamos, menos de 10 anos. Que ele estudasse! Porque quando as mudanças vierem, quem estiver preparado terá os melhores empregos.
Cuando salí de Cuba, trouxe comigo o compromisso de orar, enquanto viver, pela salvação do maior número possível de cubanos.

LISTA DOS QUE FORAM:
Além do “comandante” Galvão, eis os nomes dos irmãos que ali estiveram, em ordem alfabética: Pr. Alexandre Peixoto, Sra. Clenir Maia Vieira, Pr. David Pina, Pr. Elber Macharete, Pr. Francisco Grigoli Pereira, Pr. Helber Soares, Pr. Jair Alves dos Santos, Pr. João Soares da Fonseca, Pr. Josué dos Santos, Pr. Manuel Luiz Teixeira, Pr. Marcio Antunes, Pr. Marcos Coelho, Pr. Pedro de Jesus Chagas, Pr. Roberto Amorim Menezes, Pr. Robson Camacho e Pr. Sergio Manoel.

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